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Contrato de Indenidade: Proteção Estratégica e Governança para Administradores Societários.

Por Tiago Luiz Leitão Piloto

No ambiente corporativo, a responsabilidade pessoal dos administradores é um tema sensível — e, em muitos casos, determinante para a atração e retenção de talentos executivos. O exercício da função de administrador carrega consigo riscos que vão além das atribuições técnicas: há exposição patrimonial real, especialmente em decisões estratégicas que envolvem interpretação jurídica, disputas fiscais ou mudanças jurisprudenciais.

É nesse contexto que se insere o contrato de indenidade — instrumento jurídico celebrado entre a companhia e seus administradores, que garante o reembolso ou pagamento de valores decorrentes de responsabilizações pessoais por atos praticados no exercício regular de suas funções. Trata-se de uma proteção complementar ao seguro D&O, com foco em garantir que decisões tomadas de boa-fé, no interesse da companhia, não gerem prejuízo pessoal injustificado aos administradores.

Conceito e função do contrato de indenidade

Também conhecido como “carta de indenidade” ou “acordo de indenidade”, esse contrato estabelece o compromisso da sociedade de arcar com despesas ou condenações relacionadas a atos administrativos, desde que não haja má-fé, dolo ou violação de deveres fiduciários. A indenização pode abranger inclusive adiantamentos para custear despesas com processos administrativos, arbitrais ou judiciais, como honorários advocatícios, custas ou despesas com peritos.

Na prática, o contrato atua como um elemento de segurança jurídica e atratividade executiva, sendo amplamente utilizado no pacote de benefícios para diretores e conselheiros.

Riscos reais: o caso da “quebra da coisa julgada” no ambiente tributário

A importância do contrato de indenidade se torna ainda mais evidente quando observamos contextos como o tributário. A depender da interpretação da autoridade fiscal, uma decisão estratégica do administrador — mesmo baseada em jurisprudência vigente — pode ser posteriormente questionada e gerar responsabilização pessoal.

Foi o que ocorreu, por exemplo, após o julgamento do Tema 881 pelo STF, em que se admitiu a “quebra da coisa julgada” em matéria tributária. A decisão abriu margem para que gestores, mesmo amparados por sentenças favoráveis anteriores, possam ser responsabilizados por tributos decorrentes de entendimentos que mudaram posteriormente.

Esse cenário levanta questões cruciais: o administrador pode ser penalizado por seguir a jurisprudência vigente à época? Como fica sua proteção diante da volatilidade interpretativa do Judiciário e da atuação do Fisco?

É nesse tipo de vulnerabilidade que o contrato de indenidade se justifica — resguardando o administrador que atuou com diligência, boa-fé e em alinhamento com os interesses da companhia.

Balizas regulatórias: a orientação da CVM

Embora necessário, o contrato de indenidade não pode ser usado de forma irrestrita. O Parecer de Orientação CVM nº 38/2018 traz diretrizes fundamentais para sua adoção, organizadas em três eixos principais:

  1. Atos e despesas indenizáveis: delimitação clara do que pode ser reembolsado;
  2. Decisão sobre a concessão de indenização: mecanismos de governança para evitar conflitos de interesse;
  3. Termos e condições do contrato: transparência sobre valores, limites e relação com o seguro D&O.

Esses cuidados asseguram que a companhia proteja seus administradores sem abrir margem para abusos, mantendo o equilíbrio entre proteção pessoal e preservação do patrimônio social.

Recomendações práticas de governança

Para garantir a efetividade e integridade do contrato de indenidade, são necessárias medidas complementares à regulação da CVM:

  • Criação de um comitê independente para avaliar os pedidos de indenização, composto por membros externos à administração;
  • Vedação à participação dos administradores beneficiários na deliberação sobre o pedido de indenização;
  • Clareza estatutária sobre quem delibera, como e com base em que pareceres.

Essas práticas reforçam a imparcialidade do processo e evitam que o administrador influencie diretamente na decisão que o beneficia, o que seria potencialmente lesivo à companhia e seus acionistas.

Conclusão

O contrato de indenidade é um instrumento legítimo, necessário e cada vez mais relevante para o ambiente empresarial brasileiro. Protege gestores sérios, evita insegurança jurídica e contribui para a atração de lideranças qualificadas.

Contudo, sua adoção deve ser criteriosa, transparente e fundamentada em boas práticas de governança. A conjugação entre contrato de indenidade, seguro D&O e comitês independentes cria um sistema de proteção eficaz para a companhia e para seus administradores — fortalecendo a confiança entre gestão, acionistas e mercado.

Maio 2025.